19.6.10

Manuel António Pina (cont.)







Trata-se de “POR OUTRAS PALAVRAS E MAIS CRÓNICAS DE JORNAL”, antologia de crónicas do autor publicadas no “Jornal de Notícias” e em várias revistas e que foi seleccionada e organizada por um professor da nossa escola. A sessão, que encheu quase completamente o auditório, foi um verdadeiro acontecimento para todos os participantes, deliciados com o poder comunicativo do escritor, que fez questão de, em palavras simples mas fascinantes, apresentar o seu livro e se auto-apresentar como cronista e, também, de dialogar com os presentes e de autografar o livro. Fica o registo fotográfico do evento.

Concurso literário 2009/2010 (cont.)



PEDRA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Álvaro de Campos



Nasci pedra em bruto.

Nasci pedra em bruto,
e expus-me, depurada,
sem defeitos,
na vitrina dos teus olhos, Mãe.

Mãe,
eu expus-me...

Mas cedo tentaram polir-me...

E expus-me, mais uma vez,
na vitrina dos teus olhos.

Gritei que me comprasses
(não fosse eu pedra polida).

Não compraste.

Jamais aceitarias a tua pedra, polida;
não seria mais a tua pedra...

Então, tarde, tentaram polir-me.

Poliram-me tanto, Mãe...

...

Poliram-me tanto...

E eu tornei-me grão...

... frustrado com a minha pequenez,
também eu tentei polir-me...

E, assim, me tornei poeira...

Oh!,
a poeira que se vai
com o ritmo das palavras
que hoje escrevo.




VENTO

das minhas noites de Inverno


Apaixono-me pelo vento
à medida que ele acaricia
os meus cabelos,
e os afasta do meu rosto...
à medida que me esboça
e me dá a conhecer
as minhas feições.

Há, de facto,
dias em que caminho
de frente para ele,
e ele me limpa a visão,
turva.

Existem, porém,
vivências paralelas
em que lhe viro as costas
e sinto os meus cabelos
a cobrirem-me os olhos.

Apaixono-me então
pela sua ausência,
e devoro-me,
na minha solidão.

O vento vai...
e deixo de sentir

o seu toque na minha pele.

Depois de um tempo,
sinto o odor errante de volta.
Ele retorna,
na primavera dos sentidos,
enquanto o seu cheiro
me penetra a pele.

Chama por mim,
naquele silêncio uivante
que só ele conhece,
e delineia-me o dorso.

Volto-me.
Volto para o vento,
e voo com ele
(mesmo quando não quero).
Voo, e não piso mais este chão,
imundo.
Voo, e não me piso mais,
imunda.

Nunca fui do vento.

Sempre fui do mundo.

E um dia,
quando eu morrer
e o meu corpo, gélido,
tentar imitar o arrepio
que me deu vida,
o vento dir-me-á
que sempre foi meu
(que sempre fui eu).


Teresa Sofia Chow Soares de Carvalho

11.6.10

Um certo livro (cont.)


“A sombra do que fomos” é um romance que se lê com um sorriso nos lábios e uma lágrima ao canto do olho.
Os heróis deste romance, ou melhor, os anti-heróis deste romance são quatro homens de sessenta anos e, como o próprio título deixa entrever pelo uso da primeira pessoa, há algo de autobiográfico nesta narrativa.

(Para o Mais)
Na verdade, Cacho Salinas, Lolo Garmendia, Lucho Arencibia e Pedro Nolasco são antigos revolucionários, militantes de esquerda no Chile que o golpe de estado de Pinochet atirou para o exílio tal com aconteceu a Luís de Sepúlveda. Membro da Unidade Popular Chilena, nos anos setenta, também Sepúlveda teve de abandonar o Chile após o golpe de direita que mergulhou o país numa ditadura sangrenta, vivendo actualmente em Gijón, Espanha, depois de ter deambulado pela Europa, nomeadamente Paris e Hamburgo. O romance aborda justamente a temática do regresso. Mas o regresso é impossível porque impossível é regressar ao passado: do exílio não se regressa…qualquer intenção de o fazer é um engano, uma tentativa absurda de habitar um país guardado na memória. E tudo é belo no país da memória, não há percalços no país da memória, não há tremores e até a chuva é grata no país da memória. O país de Peter Pan é o país da memória.
Assim o encontro que os quatro homens tinham marcado, numa Santiago chuvosa, para realizar uma última e definitiva acção revolucionária em plena primeira década do século XXI, é cómica e absurdamente abortado quando, no calor de uma disputa conjugal, um gira-discos insolitamente voa de uma janela e vitima Pedro Nolasco, o cérebro da operação.
A narrativa flui, leve, num registo discursivo apesar de tudo sem amargura e onde, pelo contrário, o humor é uma constante. Os três revolucionários, agora órfãos de revolução, entreolham-se um pouco confusos, hesitantes em redescobrir naqueles rostos envelhecidos, os temerários esquerdistas de outrora, intimamente temendo o ridículo de procurar refazer uma luta a que se recusam a reconhecer o esvaziamento produzido pelo passar do tempo e consumado ao ritmo das experiências no mundo capitalista, experiências lamentavelmente agradáveis. A mulher de um deles suspira continua e indecorosamente por Berlim…
A tudo isto se junta um sábio inspector que investiga o misterioso assassínio e as indispensáveis transcrições de mails que qualquer romance de hoje em dia não dispensa.
“A sombra do que fomos”, último romance de Luís de Sepúlveda (2009), recebeu o prémio Primavera do Romance, um prémio atribuído desde 1997 pela editora madrilena Espasa Calpe, com o objectivo de apoiar a criação literária e contribuir para a difusão do romance em língua castelhana no mundo hispano-americano. A dotação do prémio é generosa: 200 000€ e publicação. É entregue durante o mês de Março do ano seguinte à sua atribuição. Na Primavera.