19.6.10

Concurso literário 2009/2010 (cont.)



PEDRA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Álvaro de Campos



Nasci pedra em bruto.

Nasci pedra em bruto,
e expus-me, depurada,
sem defeitos,
na vitrina dos teus olhos, Mãe.

Mãe,
eu expus-me...

Mas cedo tentaram polir-me...

E expus-me, mais uma vez,
na vitrina dos teus olhos.

Gritei que me comprasses
(não fosse eu pedra polida).

Não compraste.

Jamais aceitarias a tua pedra, polida;
não seria mais a tua pedra...

Então, tarde, tentaram polir-me.

Poliram-me tanto, Mãe...

...

Poliram-me tanto...

E eu tornei-me grão...

... frustrado com a minha pequenez,
também eu tentei polir-me...

E, assim, me tornei poeira...

Oh!,
a poeira que se vai
com o ritmo das palavras
que hoje escrevo.




VENTO

das minhas noites de Inverno


Apaixono-me pelo vento
à medida que ele acaricia
os meus cabelos,
e os afasta do meu rosto...
à medida que me esboça
e me dá a conhecer
as minhas feições.

Há, de facto,
dias em que caminho
de frente para ele,
e ele me limpa a visão,
turva.

Existem, porém,
vivências paralelas
em que lhe viro as costas
e sinto os meus cabelos
a cobrirem-me os olhos.

Apaixono-me então
pela sua ausência,
e devoro-me,
na minha solidão.

O vento vai...
e deixo de sentir

o seu toque na minha pele.

Depois de um tempo,
sinto o odor errante de volta.
Ele retorna,
na primavera dos sentidos,
enquanto o seu cheiro
me penetra a pele.

Chama por mim,
naquele silêncio uivante
que só ele conhece,
e delineia-me o dorso.

Volto-me.
Volto para o vento,
e voo com ele
(mesmo quando não quero).
Voo, e não piso mais este chão,
imundo.
Voo, e não me piso mais,
imunda.

Nunca fui do vento.

Sempre fui do mundo.

E um dia,
quando eu morrer
e o meu corpo, gélido,
tentar imitar o arrepio
que me deu vida,
o vento dir-me-á
que sempre foi meu
(que sempre fui eu).


Teresa Sofia Chow Soares de Carvalho

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