19.6.10

Manuel António Pina (cont.)







Trata-se de “POR OUTRAS PALAVRAS E MAIS CRÓNICAS DE JORNAL”, antologia de crónicas do autor publicadas no “Jornal de Notícias” e em várias revistas e que foi seleccionada e organizada por um professor da nossa escola. A sessão, que encheu quase completamente o auditório, foi um verdadeiro acontecimento para todos os participantes, deliciados com o poder comunicativo do escritor, que fez questão de, em palavras simples mas fascinantes, apresentar o seu livro e se auto-apresentar como cronista e, também, de dialogar com os presentes e de autografar o livro. Fica o registo fotográfico do evento.

Concurso literário 2009/2010 (cont.)



PEDRA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Álvaro de Campos



Nasci pedra em bruto.

Nasci pedra em bruto,
e expus-me, depurada,
sem defeitos,
na vitrina dos teus olhos, Mãe.

Mãe,
eu expus-me...

Mas cedo tentaram polir-me...

E expus-me, mais uma vez,
na vitrina dos teus olhos.

Gritei que me comprasses
(não fosse eu pedra polida).

Não compraste.

Jamais aceitarias a tua pedra, polida;
não seria mais a tua pedra...

Então, tarde, tentaram polir-me.

Poliram-me tanto, Mãe...

...

Poliram-me tanto...

E eu tornei-me grão...

... frustrado com a minha pequenez,
também eu tentei polir-me...

E, assim, me tornei poeira...

Oh!,
a poeira que se vai
com o ritmo das palavras
que hoje escrevo.




VENTO

das minhas noites de Inverno


Apaixono-me pelo vento
à medida que ele acaricia
os meus cabelos,
e os afasta do meu rosto...
à medida que me esboça
e me dá a conhecer
as minhas feições.

Há, de facto,
dias em que caminho
de frente para ele,
e ele me limpa a visão,
turva.

Existem, porém,
vivências paralelas
em que lhe viro as costas
e sinto os meus cabelos
a cobrirem-me os olhos.

Apaixono-me então
pela sua ausência,
e devoro-me,
na minha solidão.

O vento vai...
e deixo de sentir

o seu toque na minha pele.

Depois de um tempo,
sinto o odor errante de volta.
Ele retorna,
na primavera dos sentidos,
enquanto o seu cheiro
me penetra a pele.

Chama por mim,
naquele silêncio uivante
que só ele conhece,
e delineia-me o dorso.

Volto-me.
Volto para o vento,
e voo com ele
(mesmo quando não quero).
Voo, e não piso mais este chão,
imundo.
Voo, e não me piso mais,
imunda.

Nunca fui do vento.

Sempre fui do mundo.

E um dia,
quando eu morrer
e o meu corpo, gélido,
tentar imitar o arrepio
que me deu vida,
o vento dir-me-á
que sempre foi meu
(que sempre fui eu).


Teresa Sofia Chow Soares de Carvalho

11.6.10

Um certo livro (cont.)


“A sombra do que fomos” é um romance que se lê com um sorriso nos lábios e uma lágrima ao canto do olho.
Os heróis deste romance, ou melhor, os anti-heróis deste romance são quatro homens de sessenta anos e, como o próprio título deixa entrever pelo uso da primeira pessoa, há algo de autobiográfico nesta narrativa.

(Para o Mais)
Na verdade, Cacho Salinas, Lolo Garmendia, Lucho Arencibia e Pedro Nolasco são antigos revolucionários, militantes de esquerda no Chile que o golpe de estado de Pinochet atirou para o exílio tal com aconteceu a Luís de Sepúlveda. Membro da Unidade Popular Chilena, nos anos setenta, também Sepúlveda teve de abandonar o Chile após o golpe de direita que mergulhou o país numa ditadura sangrenta, vivendo actualmente em Gijón, Espanha, depois de ter deambulado pela Europa, nomeadamente Paris e Hamburgo. O romance aborda justamente a temática do regresso. Mas o regresso é impossível porque impossível é regressar ao passado: do exílio não se regressa…qualquer intenção de o fazer é um engano, uma tentativa absurda de habitar um país guardado na memória. E tudo é belo no país da memória, não há percalços no país da memória, não há tremores e até a chuva é grata no país da memória. O país de Peter Pan é o país da memória.
Assim o encontro que os quatro homens tinham marcado, numa Santiago chuvosa, para realizar uma última e definitiva acção revolucionária em plena primeira década do século XXI, é cómica e absurdamente abortado quando, no calor de uma disputa conjugal, um gira-discos insolitamente voa de uma janela e vitima Pedro Nolasco, o cérebro da operação.
A narrativa flui, leve, num registo discursivo apesar de tudo sem amargura e onde, pelo contrário, o humor é uma constante. Os três revolucionários, agora órfãos de revolução, entreolham-se um pouco confusos, hesitantes em redescobrir naqueles rostos envelhecidos, os temerários esquerdistas de outrora, intimamente temendo o ridículo de procurar refazer uma luta a que se recusam a reconhecer o esvaziamento produzido pelo passar do tempo e consumado ao ritmo das experiências no mundo capitalista, experiências lamentavelmente agradáveis. A mulher de um deles suspira continua e indecorosamente por Berlim…
A tudo isto se junta um sábio inspector que investiga o misterioso assassínio e as indispensáveis transcrições de mails que qualquer romance de hoje em dia não dispensa.
“A sombra do que fomos”, último romance de Luís de Sepúlveda (2009), recebeu o prémio Primavera do Romance, um prémio atribuído desde 1997 pela editora madrilena Espasa Calpe, com o objectivo de apoiar a criação literária e contribuir para a difusão do romance em língua castelhana no mundo hispano-americano. A dotação do prémio é generosa: 200 000€ e publicação. É entregue durante o mês de Março do ano seguinte à sua atribuição. Na Primavera.

30.4.10

Canto de Intervenção (cont.)





Através de palavras que faziam desfilar a passagem do tempo a partir da II Grande Guerra e de imagens significativas quer de momentos marcantes quer de figuras que deixaram as suas “impressões digitais” para sempre, a História recente era apresentada diante dos nossos olhos. Dando força e emoção à narrativa, canções da resistência e poemas emblemáticos eram ouvidos, o que tocou, de modo particular e profundo, o público que vivenciou as situações aludidas. E muitos sentiram que havia grande actualidade nas palavras cantadas e ditas!
A plateia impôs, então, para terminar, não propriamente ouvir a Grândola, mas cantá-la numa só voz. E assim aconteceu…
Em suma: creio poder dizer que a troca de afectos, a partilha de memórias vindas à flor da pele deixando-nos, por vezes, arrepiados e a força para construir uma sociedade diferente constituíram a bagagem com que saímos naquela noite do Auditório.

Fernanda Sousa

28.4.10

25 de Abril (cont.)


Como forma de comemorar a revolução do 25 de Abril, a sessão Olhares que constroem memórias, que teve lugar no auditório da EASR no dia 22, recorreu ao testemunho na 1ª pessoa de três homens que vivenciaram de um modo particularmente intenso essa data emblemática do nosso passado recente.
E se, para muitos de nós, o 25 de Abril é ainda um ontem claro e vivo na memória, o “dia inicial e limpo em que emergimos da noite e do silêncio” (como diz magistralmente o poema de Sophia), para muitos outros membros da comunidade escolar é já uma efeméride envolta nos desígnios do desconhecimento.
Evocando e interpretando os acontecimentos históricos que se associam a esta data, os três oradores – Coronel João Ambrósio, representante da Associação 25 de Abril, Paulo Esperança, presidente do núcleo do norte da Associação José Afonso, e o fotógrafo Luís Tobias, representante da sociedade civil - tiveram sempre presente, ao longo das suas intervenções, a preocupação de estabelecer a ponte entre a sua geração e a dos jovens que os escutavam, sublinhando a importância de manter vivo - de forma consciente e participada - o sonho de liberdade que há 36 anos animou o movimento dos Capitães de Abril.
As intervenções foram acompanhadas da projecção de imagens alusivas aos acontecimentos ocorridos no dia 25 nas ruas de Lisboa e às pinturas murais de conteúdo marcadamente político que, entre 1974 e o início da década de 80, encheram de colorido as ruas e avenidas das principais cidades portuguesas.
No final da sessão, as vozes vibraram. Foi com um fulgor de emoção que a assistência - que enchia o auditório - entoou, de pé, “Grândola Vila Morena”, acompanhando à capela a belíssima voz de Helena Sarmento da Associação José Afonso.
E foi mais carregados de História, que todos abandonámos a sessão.

Margarida Mouta e Fernanda Sousa

27.4.10

Ilda Seara – construtora de uma Soares da “Cidade Nova” (cont.)


Daquele punhado de mestres que povoam o meu imaginário de mais de vinte anos da Escola Soares dos Reis, há todos os espaços do edifício em si da “velha” Firmeza que habitavam, desde as salas onde leccionavam até aos locais onde era mais que provável encontrá-los. E convoque-se a nossa memória visual: havia na sala de prof’s, um cantinho natural para a Ilda, essa colega “de cabelos brancos”. Linda, elegante, a irradiar simpatia, cujo rosto se transfigurava no entusiasmo sublime com que falava ou expunha assuntos de arte, do seu ensino, do “seu” design. Aquele cantinho do lado esquerdo de quem entrava, nos intervalos das aulas da noite ou de fim de tarde, era lugar de tertúlia, de riso rasgado, de seriedade absoluta da conversa da Política à Cultura, da Escola ao sabor do Saber. Ou da Arquitectura dita “popular” apadrinhada pelo Manuel Graça Dias, com aqueles “monumentos” na praia da Caparica. E também os entusiasmos “militantes” com o trabalho de tantos criadores e defensores de património tais como o Claúdio Torres em Mértola, para onde “convocava” vários dos seus cursos de formação, aquando dos seus trabalhos no Centro de Formação João de Deus.
Reconheço certamente que não seria eu a pessoa mais indicada para fazer o elogio “fatal” desta grande mulher, professora da Soares dos Reis ao longo de décadas, pedagoga, autora de livros e manuais, orientadora de estágios, quase diria a “madrinha” do 5º. Grupo , para usar uma terminologia que, sendo do passado, não é de todo ultrapassada, dado que coincide com uma época em que ainda era permitido sonhar, ter ideais, realizar projectos, criar uma “Escola Nova” como quem carrega aos ombros aquela imensa Utopia do Fanhais chamada “Canção da Cidade Nova” que nos fazia levantar todas as manhãs com a ideia de um país a construir. Com a certeza de que estávamos dentro da História, interferindo nos destinos colectivos, através das práticas lectivas, abrindo postigos, janelas, portas, becos, ruas ou avenidas para a sociedade portuguesa do Futuro, resgatada do medo e da míngua de Liberdade. Haveria, por isso, muito mais gente, uma plêiade de artistas plásticos, de arquitectos, de designers, de professores que foram seus discípulos, amigos, colegas, alunos, formandos…com muito maior e mais abundante experiência de proximidade e de intimidade para o fazer que a minha escassa relação com a Ilda Seara.
Mas pronto. Recordo o seu contínuo entusiasmo transbordante quando me falava de arquitectura, do “seu” moinho que recuperara, ali para os lados de Paço de Sousa, onde gostava de passar os seus fins de semana, como refúgio. E deixava transparecer um halo psicológico e intelectual cuja finura saltava esses tímidos sinais de um gosto estético burguês para assumir por inteiro a substância de uma existência criativa e criadora, capaz de iluminar o coração dos outros e de os inquietar, de os abrir ao desejo e à busca de horizontes. Porque há realmente pessoas que são assim deste jeito, que andam a serpentear as nossas vidas até as sacudir por dentro, gerando novas possibilidades de ser, tais como as de ir até ao interior último da Palavra. Por isso tanto cultivava Wittgenstein nas suas acções de formação. Sabendo que é na comunicação e na linguagem mesma que tudo se decide, tanto no que se diz como no que se desdiz ou omite. Na Arte, como na Política que a acompanha com toda a presença e proximidade, legítima ou não.
. Um indício superlativo das suas preocupações com a Escola Soares dos Reis era a Biblioteca. Que a queria limpa e arejada, mas acima de tudo, actualizada, instando com os responsáveis para a aquisição de obras fundamentais no domínio das artes, da estética, do cinema, da arquitectura e suas novidades. Creio que podemos firmar este grande traço da sua personalidade, como se o mesmo instituísse o risco contínuo da perenidade da Arquitecta Ilda Seara entre nós nesta Comunidade educativa: o amor ao saber ou a arte de amar a Arte como a forma mais elevada de viver!
José Melo (de Filosofia)

23.4.10

Recital de Música Barroca (cont.)



Música!
A mais universal de todas as artes!
Aquela, a que nos faz transcender ao mundo do sonho!
Aquela, que nos faz viajar a outras dimensões e sentirmo-nos para além do tempo. No trilho de todos os lugares sem tempo!!!
Toca-nos todos os sentidos! Faz-nos sentir em estado de êxtase quando por ela nos deixamos conduzir, quando por ela nos deixamos ser abraçados.
E assim foi, em mais um dos recitais de música barroca que têm vindo a acontecer na nossa escola.
O contratenor Miguel Fontes e o músico, João Carlos Lima Soares, mais uma vez, brindaram-nos com mais um desses momentos inesquecíveis. O auditório encheu-se de alunos e professores que, com agrado, ouviram árias antigas de alguns autores como Alessandro Scarlatti ou Andrea Falconieri, entre outros, e obras de Henry Purcell magistralmente cantadas por Miguel Fontes.

Texto: Maria José Guimarães

27.3.10

Da Terra e do Mar (cont.)


Da Terra e do Mar
Anos 20 - 60
...

Para isso mostram-se alguns livros escolares; catálogos publicados pela Escola nesse período; parte da Colecção Educativa; exemplares das Biblioteca dos Pequeninos, das Raparigas, dos Rapazes; Exemplares de Boletins da Mocidade Portuguesa Feminina e da Masculina. A par da exposição bibliográfica, são exibidos trabalhos realizados pelos alunos nesse mesmo período. Destaque ainda para duas esculturas da autoria do professor Sérgio Coutinho, que têm como ponto de partida trabalhos de alunos dos anos 50/60 na procura de um diálogo presente/passado.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926 irá abrir as portas à construção do Estado Novo. Em 1928 António de Oliveira Salazar torna-se ministro das finanças da Ditadura Militar e em 1932 primeiro-ministro. Em 1933 é aprovada uma nova Constituição e criado o Estado Novo, regime político autoritário e corporativista, que vigorou até 25 de Abril de 1974.
Na Escola Industrial Faria Guimarães toma posse como Director em 1922, o arquitecto Emmanuel Ribeiro. Em 1932 Emmanuel Ribeiro é substituído na direcção da Escola pelo escultor Sousa Caldas que exercerá o cargo até 1964.


Estado Novo – valores

• O Estado Novo irá procurar moldar a sociedade civil com novos valores, educando-a e formando-a num moral nacionalista, cooperativa e cristã, empreendendo um trabalho sistemático de imposição autoritária desses valores a todos os principais sectores da vida social, através de medidas institucionais consagradoras de uma pretendida unicidade político-ideológica. A saber,
• -orientação ideológica do ensino, sobretudo a nível primário e secundário, com o estabelecimento, principalmente após as reformas de Carneiro Pacheco na “educação nacional”, em 1936, de programas de ensino rigidamente politizados, com saneamento político dos corpos docentes e adopção de “livros únicos” oficiais - a partir da revisão constitucional de 1935 e o ensino público passa a estar constitucionalmente vinculado aos “princípios da doutrina e moral cristãs”;
• -enquadramento político-ideológico da juventude das escolas numa organização miliciana – a Mocidade Portuguesa criada pela reforma de 1936 de inscrição obrigatória e potencialmente monopolizadora de todas as actividades circum-escolares;
-a adopção de uma “política do espírito”, isto é, de uma orientação oficial para a cultura e as artes, explicitamente destinada a “educar o gosto dos portugueses” no culto de valores estéticos e ideológicos modelares, apresentados e divulgados pela propaganda do estado a cargo do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) criado logo em 1933.

O Ensino do Desenho

Em 1930, nas escolas industriais continuavam-se a utilizar como metodologias para o ensino do desenho a cópia de estampas; a representação do claro-escuro; a cópia directa da natureza através de modelos do reino animal e vegetal e estudos de composição decorativa a partir dos mesmos modelos.

Esta situação fez levantar algumas vozes que entendiam, apesar da dificuldade da tarefa, ser necessária a substituição destes por novos métodos de ensino, já adoptados em países mais avançados. Um dos protagonistas desse novo pensamento foi José Pereira, professor das escolas industriais e da Escola Normal Primária de Lisboa.

Assim, ele entendia que o desenho na escola primária deve tender “ (...) a fazer conhecer a vida em todos os seus fenómenos e a representá-la, educando, desenvolvendo o espírito de observação e análise e levando à construção e ao sentimento estético” (José Pereira, O Desenho Infantil e o Ensino do Desenho na Escola Primária, Lisboa, Imprensa Nacional, 1935).

Este trabalho veio preencher uma lacuna que se encontrava em aberto, fazendo-o em completa oposição com os hábitos tradicionais em matéria pedagógica.

Em 1939, Adolfo Faria de Castro, publica um livro intitulado Desenho à Mão Livre – noções práticas, para se usado nos liceus, colégios, escolas técnicas profissionais e escolas do magistério primário. Neste livro reconhece a importância do desenho à mão livre como um instrumento de progresso e parafraseando o Congresso Internacional de Desenho de Bruxelas, realizado em 1935, afirma que “(...) não há cultura moderna completa sem desenho”. Procura aplicar neste livro as mais modernas metodologias do desenho que teve oportunidade de conhecer em França e Bélgica. Para ele “(...) o desenho do natural tem um valor próprio porque forma a visão, coordena as sensações visuais e impõe a análise dos objectos que servem de modelo. Constitui a iniciação da arte de ver, parte importante da arte de viver (...). É preciso educar a visão. A compreensão dos objectos ajuda a vê-los. Além disso um aluno não pode compor sem saber desenhar”.
O movimento de renovação da educação artística na escola tardou em afirmar-se em Portugal.
Porém, nos anos 40, procurou-se alcançar uma solução de carácter unitário para o problema de ensinar o desenho e a arte. Calvet de Magalhães, professor metedólogo do ensino do desenho, afirmava em 1951 que “(...) até 1910 faziam-se reproduzir aos alunos apenas desenhos geométricos, sem se ocupar da natureza. Durante 30 anos seguidos caiu-se no excesso contrário e praticou-se unicamente o desenho do natural, como se a geometria não existisse. Nenhuma prática geométrica, afirmavam os teóricos deste método, se deve interpor entre a natureza e a vista da criança. Hoje reconhece-se que a verdade está entre os dois extremos, pois o desenho do natural deve ser auxiliado pela geometria.”

Os Modelos – As Concepções Estéticas

No ano lectivo 1922/23, o arquitecto Emmanuel Ribeiro inicia funções como professor e director da Escola Faria Guimarães. Emmanuel Ribeiro tinha uma visão moderna do ensino das artes industriais, que lhe vinha naturalmente do trabalho que tinha desenvolvido durante vários anos na Escola Normal para o ensino do Desenho em Lisboa e no Porto, muito diferente daquela que encontrou quando chegou à direcção da Escola.

A vontade de renovar a escola e o próprio ensino, levaram Emmanuel Ribeiro a fazer várias deslocações ao estrangeiro para tomar contacto com o ensino do desenho e das artes aplicadas noutros países.
Emmanuel Ribeiro afirmava a necessidade imperiosa das artes decorativas evoluírem segundo a “orbita das modernas aspirações estéticas”, considerando que “quem se adapta ao espírito do seu tempo evolui”. Por isso sugeria uma nova forma de abordagem nas artes decorativas, numa tentativa de conciliação entre as ideias de William Morris e a apologia dos processos mecânicos.

Com o Estado Novo foi criada por Lei de Abril de 1935, a Mocidade Portuguesa. A Mocidade Portuguesa Masculina tomava como guias da sua acção os exemplos de Nu'Álvares Pereira e do Infante D. Henrique e consagra-se “à nova Renascença Pátria”.

Em 1937 é publicado o Regulamento da Mocidade Portuguesa Feminina, que passa a ter como guias ideais as Rainhas D. Filipa de Lencastre e D. Leonor.

A organização nacional da Mocidade Portuguesa Feminina estava a cargo da Obra das Mães pela Educação Nacional, organismo patrocinado pelo Ministério da Educação Nacional.
A Mocidade Portuguesa promovia anualmente os Salões de Educação Estética, em que participavam as escolas com trabalhos de alunos e onde eram atribuídos prémios aos melhores trabalhos.

A marca do Estado Novo é notória nos trabalhos executados pelos alunos, nomeadamente naqueles que eram exibidos ao público ou nas exposições anuais ou, principalmente, nos Salões de Estética promovidos pela Mocidade Portuguesa.

A ideologia vigente impunha um formulário muito próprio e em todas as ocasiões festivas, uma vez que a Mocidade Portuguesa Masculina e Feminina e a Legião Portuguesa envolviam totalmente o país nas suas actividades, ele tinha necessariamente de se manifestar.

Para além dos órgãos dirigentes e das organizações que citámos, vários eram aqueles que advogavam um formulário artístico adequado ao novo pensamento político.
Exemplo disso foi Portela Júnior que num relatório apresentado à Junta de Educação Nacional em 1933 afirmava que “ (...) a época da arte pela arte já passou. Impõe-se a formação de uma nova mentalidade artística, conjugada neste sentido sob a influência da acção disciplinadora do Estado. O artista tem necessariamente de ser o reflexo do seu povo, contando com beleza, a beleza do seu espírito heróico, (...) dando-nos sempre com virilidade os sentimentos grandiosos da sua Raça. (...) Que a nova mística nacionalista se estenda à pintura, à escultura, à arquitectura e para tanto cultivemos de preferência motivos nacionais procurando criar portuguesmente e contribuindo quanto possível para que a Arte seja a expressão grandiosa da Nação.”
Em 1933, por iniciativa de António Ferro, é criado o Secretariado da Propaganda Nacional.
António Ferro tinha-se proposto “ (...) contribuir para a criação duma consciência cívica e política no povo português e dar à vida nacional uma fachada impecável de bom gosto”.
Mais tarde, na inauguração da primeira exposição de Artes Decorativas promovida pelo SPN, António Ferro afirmava ter sido objectivo do Salão “ (...) estimular o gosto pela criação contemporânea, combater a doença da série, a preguiça da cópia, sacudir a imaginação dos nossos produtores que não têm fé neles próprios e não acreditam também nos artistas portugueses.”
Mas este esforço de António Ferro viria a esbarrar com o conservadorismo instalado.

Apesar da situação política e a partir dos anos 50, muito sob influência dos estudos e livros publicados por Calvet de Magalhães e utilizados no ensino do desenho, bem como pelo empenho dos professores, regista-se uma ligeira inflexão nos conceitos artísticos e estéticos difundidos nas escolas.

A par dos valores nacionalistas (Deus, Pátria e Família), que se conservam, passa a ser dada uma maior atenção ao desenvolvimento da criatividade e uma maior ênfase à aproximação à natureza, no seu conjunto, com o apoio da geometria.

A Escola começa a abrir-se um pouco, de novo, como nos anos 20, para o que de moderno se ia fazendo, no estrangeiro e em Portugal no domínio artístico.


Natália Lobo

26.3.10

Tributo a Jean Ferrat (cont.)





Pois não é para isso que serve a música e as canções? Falemos, pois, de Jean Ferrat, desse “cantautor”, como diriam os vizinhos espanhóis, que se finou no passado dia 13 de Março, não ao anúncio das andorinhas, como diz na canção “Montagne”, quando o Outono acaba de chegar, mas numa primavera dessa maravilha que dá pelo nome de “France profonde”.Para quem teima em gostar da França, por causa da sua cultura, das “belles lettres”, da filosofia, do cinema da “nouvelle vague” e de tantas coisas que ganham ser na dimensão simbólica de um jornal debaixo do braço, a embrulhar a baguete matinal. Tudo isso encenado numa pracinha graciosa, onde os transeuntes se cruzam à pressa, rumo ao conforto das suas “maisons”, muito discretamente resguardadas por essas eternas e omnipresentes portadas de madeira, a condizer com as cores ocres ou acinzentadas dos edifícios que circundam o monumento obrigatório “aux enfants “ que morreram pela pátria na I e na II Guerra. Tudo isto acompanhado pelos bem cuidados plátanos que dão sombra e acolhimento às esplanadas dessa virtuosa “ideia inata” que são os cafés, a mais maravilhosa invenção que os franceses alguma vez legaram ao mundo. E de lá provêm os crepes, os croissants, as “frittes”, os chocolates quentes e tantas iguarias…Tudo inundado numa atmosfera de odores que misturam perfumes, vinhos, flores, sinos das igrejas e uma paz que nos reconforta e reconstrói os sentidos até à alma.
Jean Ferrat cantou-nos a França, toda ela, com o amor fabricado pelos deuses do pormenor, com o asco e a negritude dos sofrimentos, das injustiças, das desigualdades, dos “goulags” e de tantas formas de criar, de promover o mal: como aquele que obrigou um emigrante judeu, joalheiro de Versalhes, a “embarcar” à força para Auschwitz, levando consigo a ideia-saudade eterna de um miúdo loiro, salvo aos 11 anos por “camaradas” dessa maldita “Nuit et Brouillard” –título de uma das quase 200 canções -, enquanto uma jovem viúva sobrevivia à barbárie, fazendo flores tristes de papel. Mas o menino cresceu, aprendeu a cantar e a tocar nos “boulevards” parisienses da libertação, dando um outro sentido à vida, feito de lutas, de reivindicações, de ameaças e de torturas, mas também da ternura, do amor, da voz doce dos poetas – Aragon, Verlaine, Machado. Expressou os sinais meigos do luar impressos no olhar límpido das mulheres, das suas causas e dos seus segredos e carinhos. Vergastou com impiedade a sociedade consumista e medíocre, habitada por “demoiselles de magazin” que não se interessam por “rien” e chamou a si a flama dos ideais, dos sonhos, das manhãs que cantam ou dos amanhãs que cantavam, ainda que carregando a vergonha de Praga, “espectáculo” desmascarado em “Camarade”.
E no Maio de todas as incertezas, ou de todas as primaveras, Ferrat cantou o “tempo das cerejas”, escreveu poemas em cima dos automóveis e viu Jesus fazer amor por entre campos de flores: sem ninguém a ver. Tantas e tantas formas de trazer a poesia para a rua, obrigá-la a sair das cavernas, habitar as montanhas e os vales desse hexágono tão cheio de contrastes e de palavras como de sementeiras e de colheitas, de fábricas e de livros, das ideias, de misturas étnicas e de um apego à História porque transformou de raiz os antigos eternos súbditos em cidadãos, de direitos e de liberdades. Como se as brumas ficassem para sempre do outro lado da montanha, tal como é preciso imaginar!
Jean Ferrat legou-nos um testemunho, levando ao vento o seu pregão “Eu não sou mais que um grito”: fixou o seu espaço vital numa Ardèche rural, longe dos ruídos e mais próximo da interioridade do espírito, lá onde se pode criar, imaginar, pensar, interrogar , inquietar e perturbar as águas mansas do “establishment”, fazendo-o numa voz inconfundível e generosa, tão cândida e romântica quanto tonitruante e agreste para abrir todas as portas e janelas da grande casa do Sentido. Foi verdadeiramente a voz da “multiplicação dos pães em cada mesa” como cantou numa dessas canções que nunca morrerá!
(José Melo – de Filosofia)

15.3.10

À conversa com... (cont.)


A sessão teve lugar no pequeno Auditório e destinou-se especificamente aos alunos das turmas 11º B1 e 11º B2 que, para além de terem tomado contacto com os princípios que norteiam a linha editorial da “Sempre-em-Pé” tiveram ainda a oportunidade de dialogar com o editor, manifestando o seu interesse por questões relacionadas com a selecção das ilustrações de alguns exemplares observados.



Ao longo de cerca de uma hora e meia, José Carlos Marques falou-nos da sua actividade como editor, mas não só. Ficámos também a saber que a oposição manifestada ao regime de ditadura que se vivia em Portugal antes de Abril de 74 o levou a procurar outras paragens que muito o enriqueceram culturalmente. Ao seu gosto pelos livros – que o levara já em 1962 a ser um dos fundadores das Edições Afrontamento – viria associar-se o interesse pela ecologia e pela necessidade de defender a harmonia com a natureza. Um interesse que se mantém vivo até hoje e que lhe valeu, no ano passado, a atribuição do Prémio Nacional do Ambiente “Fernando Pereira”.



Com uma actividade profissional extraordinariamente diversificada no passado, este ex-professor de Filosofia, ex-tradutor free-lance, ex-assessor e leitor editorial, ex-responsável pelo centro de documentação e edições da Universidade do Algarve de 1982 a 1986, e ex- tradutor principal nos serviços de tradução do Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia, encontra-se hoje reformado, mas em plena actividade. Com efeito, o ritmo de trabalho actual, longe de ter abrandado, é pautado pela paixão que coloca na defesa do ambiente e nas tarefas de manter de pé a “Sempre-em-Pé”, uma pequena editora que, tendo embora uma tendência generalista, tem acarinhado com particular desvelo as vertentes da poesia e da ecologia.



Numa escola como a Soares dos Reis, que se assume como um lugar de inovação e de construção do conhecimento, foi gratificante poder partilhar o testemunho de alguém que tem contribuído, de uma forma crítica e independente, para a promoção do livro e da leitura, numa perspectiva que revela simultaneamente o amor pelas palavras e pela Natureza.

3.3.10

50 Anos de Arte Portuguesa (cont.)













Oferecido pela Fundação Calouste Gulbenkian está no 1º piso e tem a cota 7.039(P) / 8