27.3.10

Da Terra e do Mar (cont.)


Da Terra e do Mar
Anos 20 - 60
...

Para isso mostram-se alguns livros escolares; catálogos publicados pela Escola nesse período; parte da Colecção Educativa; exemplares das Biblioteca dos Pequeninos, das Raparigas, dos Rapazes; Exemplares de Boletins da Mocidade Portuguesa Feminina e da Masculina. A par da exposição bibliográfica, são exibidos trabalhos realizados pelos alunos nesse mesmo período. Destaque ainda para duas esculturas da autoria do professor Sérgio Coutinho, que têm como ponto de partida trabalhos de alunos dos anos 50/60 na procura de um diálogo presente/passado.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926 irá abrir as portas à construção do Estado Novo. Em 1928 António de Oliveira Salazar torna-se ministro das finanças da Ditadura Militar e em 1932 primeiro-ministro. Em 1933 é aprovada uma nova Constituição e criado o Estado Novo, regime político autoritário e corporativista, que vigorou até 25 de Abril de 1974.
Na Escola Industrial Faria Guimarães toma posse como Director em 1922, o arquitecto Emmanuel Ribeiro. Em 1932 Emmanuel Ribeiro é substituído na direcção da Escola pelo escultor Sousa Caldas que exercerá o cargo até 1964.


Estado Novo – valores

• O Estado Novo irá procurar moldar a sociedade civil com novos valores, educando-a e formando-a num moral nacionalista, cooperativa e cristã, empreendendo um trabalho sistemático de imposição autoritária desses valores a todos os principais sectores da vida social, através de medidas institucionais consagradoras de uma pretendida unicidade político-ideológica. A saber,
• -orientação ideológica do ensino, sobretudo a nível primário e secundário, com o estabelecimento, principalmente após as reformas de Carneiro Pacheco na “educação nacional”, em 1936, de programas de ensino rigidamente politizados, com saneamento político dos corpos docentes e adopção de “livros únicos” oficiais - a partir da revisão constitucional de 1935 e o ensino público passa a estar constitucionalmente vinculado aos “princípios da doutrina e moral cristãs”;
• -enquadramento político-ideológico da juventude das escolas numa organização miliciana – a Mocidade Portuguesa criada pela reforma de 1936 de inscrição obrigatória e potencialmente monopolizadora de todas as actividades circum-escolares;
-a adopção de uma “política do espírito”, isto é, de uma orientação oficial para a cultura e as artes, explicitamente destinada a “educar o gosto dos portugueses” no culto de valores estéticos e ideológicos modelares, apresentados e divulgados pela propaganda do estado a cargo do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) criado logo em 1933.

O Ensino do Desenho

Em 1930, nas escolas industriais continuavam-se a utilizar como metodologias para o ensino do desenho a cópia de estampas; a representação do claro-escuro; a cópia directa da natureza através de modelos do reino animal e vegetal e estudos de composição decorativa a partir dos mesmos modelos.

Esta situação fez levantar algumas vozes que entendiam, apesar da dificuldade da tarefa, ser necessária a substituição destes por novos métodos de ensino, já adoptados em países mais avançados. Um dos protagonistas desse novo pensamento foi José Pereira, professor das escolas industriais e da Escola Normal Primária de Lisboa.

Assim, ele entendia que o desenho na escola primária deve tender “ (...) a fazer conhecer a vida em todos os seus fenómenos e a representá-la, educando, desenvolvendo o espírito de observação e análise e levando à construção e ao sentimento estético” (José Pereira, O Desenho Infantil e o Ensino do Desenho na Escola Primária, Lisboa, Imprensa Nacional, 1935).

Este trabalho veio preencher uma lacuna que se encontrava em aberto, fazendo-o em completa oposição com os hábitos tradicionais em matéria pedagógica.

Em 1939, Adolfo Faria de Castro, publica um livro intitulado Desenho à Mão Livre – noções práticas, para se usado nos liceus, colégios, escolas técnicas profissionais e escolas do magistério primário. Neste livro reconhece a importância do desenho à mão livre como um instrumento de progresso e parafraseando o Congresso Internacional de Desenho de Bruxelas, realizado em 1935, afirma que “(...) não há cultura moderna completa sem desenho”. Procura aplicar neste livro as mais modernas metodologias do desenho que teve oportunidade de conhecer em França e Bélgica. Para ele “(...) o desenho do natural tem um valor próprio porque forma a visão, coordena as sensações visuais e impõe a análise dos objectos que servem de modelo. Constitui a iniciação da arte de ver, parte importante da arte de viver (...). É preciso educar a visão. A compreensão dos objectos ajuda a vê-los. Além disso um aluno não pode compor sem saber desenhar”.
O movimento de renovação da educação artística na escola tardou em afirmar-se em Portugal.
Porém, nos anos 40, procurou-se alcançar uma solução de carácter unitário para o problema de ensinar o desenho e a arte. Calvet de Magalhães, professor metedólogo do ensino do desenho, afirmava em 1951 que “(...) até 1910 faziam-se reproduzir aos alunos apenas desenhos geométricos, sem se ocupar da natureza. Durante 30 anos seguidos caiu-se no excesso contrário e praticou-se unicamente o desenho do natural, como se a geometria não existisse. Nenhuma prática geométrica, afirmavam os teóricos deste método, se deve interpor entre a natureza e a vista da criança. Hoje reconhece-se que a verdade está entre os dois extremos, pois o desenho do natural deve ser auxiliado pela geometria.”

Os Modelos – As Concepções Estéticas

No ano lectivo 1922/23, o arquitecto Emmanuel Ribeiro inicia funções como professor e director da Escola Faria Guimarães. Emmanuel Ribeiro tinha uma visão moderna do ensino das artes industriais, que lhe vinha naturalmente do trabalho que tinha desenvolvido durante vários anos na Escola Normal para o ensino do Desenho em Lisboa e no Porto, muito diferente daquela que encontrou quando chegou à direcção da Escola.

A vontade de renovar a escola e o próprio ensino, levaram Emmanuel Ribeiro a fazer várias deslocações ao estrangeiro para tomar contacto com o ensino do desenho e das artes aplicadas noutros países.
Emmanuel Ribeiro afirmava a necessidade imperiosa das artes decorativas evoluírem segundo a “orbita das modernas aspirações estéticas”, considerando que “quem se adapta ao espírito do seu tempo evolui”. Por isso sugeria uma nova forma de abordagem nas artes decorativas, numa tentativa de conciliação entre as ideias de William Morris e a apologia dos processos mecânicos.

Com o Estado Novo foi criada por Lei de Abril de 1935, a Mocidade Portuguesa. A Mocidade Portuguesa Masculina tomava como guias da sua acção os exemplos de Nu'Álvares Pereira e do Infante D. Henrique e consagra-se “à nova Renascença Pátria”.

Em 1937 é publicado o Regulamento da Mocidade Portuguesa Feminina, que passa a ter como guias ideais as Rainhas D. Filipa de Lencastre e D. Leonor.

A organização nacional da Mocidade Portuguesa Feminina estava a cargo da Obra das Mães pela Educação Nacional, organismo patrocinado pelo Ministério da Educação Nacional.
A Mocidade Portuguesa promovia anualmente os Salões de Educação Estética, em que participavam as escolas com trabalhos de alunos e onde eram atribuídos prémios aos melhores trabalhos.

A marca do Estado Novo é notória nos trabalhos executados pelos alunos, nomeadamente naqueles que eram exibidos ao público ou nas exposições anuais ou, principalmente, nos Salões de Estética promovidos pela Mocidade Portuguesa.

A ideologia vigente impunha um formulário muito próprio e em todas as ocasiões festivas, uma vez que a Mocidade Portuguesa Masculina e Feminina e a Legião Portuguesa envolviam totalmente o país nas suas actividades, ele tinha necessariamente de se manifestar.

Para além dos órgãos dirigentes e das organizações que citámos, vários eram aqueles que advogavam um formulário artístico adequado ao novo pensamento político.
Exemplo disso foi Portela Júnior que num relatório apresentado à Junta de Educação Nacional em 1933 afirmava que “ (...) a época da arte pela arte já passou. Impõe-se a formação de uma nova mentalidade artística, conjugada neste sentido sob a influência da acção disciplinadora do Estado. O artista tem necessariamente de ser o reflexo do seu povo, contando com beleza, a beleza do seu espírito heróico, (...) dando-nos sempre com virilidade os sentimentos grandiosos da sua Raça. (...) Que a nova mística nacionalista se estenda à pintura, à escultura, à arquitectura e para tanto cultivemos de preferência motivos nacionais procurando criar portuguesmente e contribuindo quanto possível para que a Arte seja a expressão grandiosa da Nação.”
Em 1933, por iniciativa de António Ferro, é criado o Secretariado da Propaganda Nacional.
António Ferro tinha-se proposto “ (...) contribuir para a criação duma consciência cívica e política no povo português e dar à vida nacional uma fachada impecável de bom gosto”.
Mais tarde, na inauguração da primeira exposição de Artes Decorativas promovida pelo SPN, António Ferro afirmava ter sido objectivo do Salão “ (...) estimular o gosto pela criação contemporânea, combater a doença da série, a preguiça da cópia, sacudir a imaginação dos nossos produtores que não têm fé neles próprios e não acreditam também nos artistas portugueses.”
Mas este esforço de António Ferro viria a esbarrar com o conservadorismo instalado.

Apesar da situação política e a partir dos anos 50, muito sob influência dos estudos e livros publicados por Calvet de Magalhães e utilizados no ensino do desenho, bem como pelo empenho dos professores, regista-se uma ligeira inflexão nos conceitos artísticos e estéticos difundidos nas escolas.

A par dos valores nacionalistas (Deus, Pátria e Família), que se conservam, passa a ser dada uma maior atenção ao desenvolvimento da criatividade e uma maior ênfase à aproximação à natureza, no seu conjunto, com o apoio da geometria.

A Escola começa a abrir-se um pouco, de novo, como nos anos 20, para o que de moderno se ia fazendo, no estrangeiro e em Portugal no domínio artístico.


Natália Lobo

26.3.10

Tributo a Jean Ferrat (cont.)





Pois não é para isso que serve a música e as canções? Falemos, pois, de Jean Ferrat, desse “cantautor”, como diriam os vizinhos espanhóis, que se finou no passado dia 13 de Março, não ao anúncio das andorinhas, como diz na canção “Montagne”, quando o Outono acaba de chegar, mas numa primavera dessa maravilha que dá pelo nome de “France profonde”.Para quem teima em gostar da França, por causa da sua cultura, das “belles lettres”, da filosofia, do cinema da “nouvelle vague” e de tantas coisas que ganham ser na dimensão simbólica de um jornal debaixo do braço, a embrulhar a baguete matinal. Tudo isso encenado numa pracinha graciosa, onde os transeuntes se cruzam à pressa, rumo ao conforto das suas “maisons”, muito discretamente resguardadas por essas eternas e omnipresentes portadas de madeira, a condizer com as cores ocres ou acinzentadas dos edifícios que circundam o monumento obrigatório “aux enfants “ que morreram pela pátria na I e na II Guerra. Tudo isto acompanhado pelos bem cuidados plátanos que dão sombra e acolhimento às esplanadas dessa virtuosa “ideia inata” que são os cafés, a mais maravilhosa invenção que os franceses alguma vez legaram ao mundo. E de lá provêm os crepes, os croissants, as “frittes”, os chocolates quentes e tantas iguarias…Tudo inundado numa atmosfera de odores que misturam perfumes, vinhos, flores, sinos das igrejas e uma paz que nos reconforta e reconstrói os sentidos até à alma.
Jean Ferrat cantou-nos a França, toda ela, com o amor fabricado pelos deuses do pormenor, com o asco e a negritude dos sofrimentos, das injustiças, das desigualdades, dos “goulags” e de tantas formas de criar, de promover o mal: como aquele que obrigou um emigrante judeu, joalheiro de Versalhes, a “embarcar” à força para Auschwitz, levando consigo a ideia-saudade eterna de um miúdo loiro, salvo aos 11 anos por “camaradas” dessa maldita “Nuit et Brouillard” –título de uma das quase 200 canções -, enquanto uma jovem viúva sobrevivia à barbárie, fazendo flores tristes de papel. Mas o menino cresceu, aprendeu a cantar e a tocar nos “boulevards” parisienses da libertação, dando um outro sentido à vida, feito de lutas, de reivindicações, de ameaças e de torturas, mas também da ternura, do amor, da voz doce dos poetas – Aragon, Verlaine, Machado. Expressou os sinais meigos do luar impressos no olhar límpido das mulheres, das suas causas e dos seus segredos e carinhos. Vergastou com impiedade a sociedade consumista e medíocre, habitada por “demoiselles de magazin” que não se interessam por “rien” e chamou a si a flama dos ideais, dos sonhos, das manhãs que cantam ou dos amanhãs que cantavam, ainda que carregando a vergonha de Praga, “espectáculo” desmascarado em “Camarade”.
E no Maio de todas as incertezas, ou de todas as primaveras, Ferrat cantou o “tempo das cerejas”, escreveu poemas em cima dos automóveis e viu Jesus fazer amor por entre campos de flores: sem ninguém a ver. Tantas e tantas formas de trazer a poesia para a rua, obrigá-la a sair das cavernas, habitar as montanhas e os vales desse hexágono tão cheio de contrastes e de palavras como de sementeiras e de colheitas, de fábricas e de livros, das ideias, de misturas étnicas e de um apego à História porque transformou de raiz os antigos eternos súbditos em cidadãos, de direitos e de liberdades. Como se as brumas ficassem para sempre do outro lado da montanha, tal como é preciso imaginar!
Jean Ferrat legou-nos um testemunho, levando ao vento o seu pregão “Eu não sou mais que um grito”: fixou o seu espaço vital numa Ardèche rural, longe dos ruídos e mais próximo da interioridade do espírito, lá onde se pode criar, imaginar, pensar, interrogar , inquietar e perturbar as águas mansas do “establishment”, fazendo-o numa voz inconfundível e generosa, tão cândida e romântica quanto tonitruante e agreste para abrir todas as portas e janelas da grande casa do Sentido. Foi verdadeiramente a voz da “multiplicação dos pães em cada mesa” como cantou numa dessas canções que nunca morrerá!
(José Melo – de Filosofia)

15.3.10

À conversa com... (cont.)


A sessão teve lugar no pequeno Auditório e destinou-se especificamente aos alunos das turmas 11º B1 e 11º B2 que, para além de terem tomado contacto com os princípios que norteiam a linha editorial da “Sempre-em-Pé” tiveram ainda a oportunidade de dialogar com o editor, manifestando o seu interesse por questões relacionadas com a selecção das ilustrações de alguns exemplares observados.



Ao longo de cerca de uma hora e meia, José Carlos Marques falou-nos da sua actividade como editor, mas não só. Ficámos também a saber que a oposição manifestada ao regime de ditadura que se vivia em Portugal antes de Abril de 74 o levou a procurar outras paragens que muito o enriqueceram culturalmente. Ao seu gosto pelos livros – que o levara já em 1962 a ser um dos fundadores das Edições Afrontamento – viria associar-se o interesse pela ecologia e pela necessidade de defender a harmonia com a natureza. Um interesse que se mantém vivo até hoje e que lhe valeu, no ano passado, a atribuição do Prémio Nacional do Ambiente “Fernando Pereira”.



Com uma actividade profissional extraordinariamente diversificada no passado, este ex-professor de Filosofia, ex-tradutor free-lance, ex-assessor e leitor editorial, ex-responsável pelo centro de documentação e edições da Universidade do Algarve de 1982 a 1986, e ex- tradutor principal nos serviços de tradução do Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia, encontra-se hoje reformado, mas em plena actividade. Com efeito, o ritmo de trabalho actual, longe de ter abrandado, é pautado pela paixão que coloca na defesa do ambiente e nas tarefas de manter de pé a “Sempre-em-Pé”, uma pequena editora que, tendo embora uma tendência generalista, tem acarinhado com particular desvelo as vertentes da poesia e da ecologia.



Numa escola como a Soares dos Reis, que se assume como um lugar de inovação e de construção do conhecimento, foi gratificante poder partilhar o testemunho de alguém que tem contribuído, de uma forma crítica e independente, para a promoção do livro e da leitura, numa perspectiva que revela simultaneamente o amor pelas palavras e pela Natureza.

3.3.10

50 Anos de Arte Portuguesa (cont.)













Oferecido pela Fundação Calouste Gulbenkian está no 1º piso e tem a cota 7.039(P) / 8

2.3.10

Aqui há gato (cont.)


TEXTOS

10º ano

Lá no “assento etéreo” onde repousa, o poeta está descontente com a forma como estes bichanos atrevidos estão a pôr em causa o seu “engenho e arte ”
Antes que o seu “duro génio de vinganças” se abata sobre eles, cabe-te a ti, que és estudante do 10º ano e, portanto, um profundo conhecedor da lírica camoniana, enxotar esses gatos e repor a verdade dos textos.

TEXTO 1-

Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente

Erros teus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjugaram
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas, que passaram,
Que as magoadas raivas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente*

Errei todo o percurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esquivanças.

De Amor não vi senão curtos enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que cansasse
Este meu duro Génio de vinganças!

TEXTO 2-

Na fonte está Leanor

Na fonte está Leanor
levando a talha e chorando,
às amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?

VOLTAS

Posto o entendimento nele,
porque a tudo o Amor a obriga,
cantava, mas a cantiga
eram murmúrios por ele.
Nisto estava Leanor
o seu desejo esganando,
às amigas perguntando:
vistes lá o meu amor?

O rosto sobre üa mão,
os pés no chão bem pregados,
que, do andar já cansados,
algum descanso lhe dão.
Desta sorte Leanor
suspende de quando em quando
sua dor; e, a si voltando,
mais pesada sente a dor.

Não deita dos olhos água,
que não quer ter dor que abrande
Amor, porque em mágoa grande
seca as lágrimas a mágoa.
Assi que de seu amor
soube, novas perguntando,
sem aviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!

TEXTO 3-

Transforma-se o amador na cousa amada

Transforma-se o amador na cousa amada
Em virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo mais por que esperar
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se por ela está minha alma transtornada
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode sossegar
pois consigo tal alma está ligada.

Mas esta linda e dura sem ideia
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim com a minh'alma se conforma,

está no entendimento como ideia
e o vivo e puro horror de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.

11º ano

Os excertos de “Os Maias” aqui publicados contêm alterações que estão a irritar profundamente Eça de Queirós que, sentado na chaise-longue que os anjos lhe prepararam no Paraíso, está vociferando contra os bárbaros que devastaram a sua prosa. Resta-lhe exortar a mocidade que frequenta o 11º ano desta escola a buscar as realidades através das aparências, repondo a verdade da arquitectura estilística que o individualiza.

TEXTO 1

[...]
Afonso da Maia pousou os dados, atravessou a sala sem uma palavra, agarrou o rapaz pelo braço, e arrastou-o pelo corredor – enquanto ele, com os pés fincados no soalho, resistia, protestando com desespero:
- É festa, vovô... É uma maldade!... O Vilaça pode-se escandalizar... Oh vovô, eu não tenho sono!
Uma porta fechando-se abafou-lhe o ardor. As senhoras censuraram logo aquela rigidez: aí estava uma coisa inadmissível; o avô deixava-lhe fazer todos os horrores, e recusava-lhe então o bocadinho da soirée...
- Oh Sr. Afonso da Maia, por que não deixou estar a criança?
- É necessário método, é necessário método, balbuciou ele, entrando, todo pálido do seu rigor.
E à mesa do jogo, apanhando as cartas com as mãos trémulas, repetia ainda:
- É necessário método. Crianças à noite dormem.
D. Ana Silveira voltando-se para o Vilaça - que cedera o seu lugar ao Dr. delegado e vinha conversar com as senhoras - teve aquele sorriso mudo que lhe franzia os lábios, sempre que Afonso da Maia falava em «método.»
Depois, reclinando-se para as costas da cadeira e abrindo o leque, declarou, a transbordar de ironia, que, talvez por ter a inteligência curta, nunca compreendera a vantagem dos «método»... Era à inglesa, segundo diziam: talvez provassem bem em Inglaterra; mas ou ela estava enganada, ou Sta. Olávia era em terras de Portugal...
E como Vilaça inclinava pesadamente a cabeça, com a sua pitada nos dedos, a esperta senhora, baixo para que Afonso dentro não ouvisse, desabafou. O Sr. Vilaça naturalmente não sabia, mas aquela educação do Carlinhos nunca fora aprovada pelos amigos da casa. Já a presença do Brown, um herege, um protestante, como preceptor na família dos Maias, causara desgosto em Resende. Sobretudo quando o Sr. Afonso tinha aquele anjo do abade Custódio, tão estimado, homem de tanto saber... Não ensinaria à criança habilidades de acrobata; mas havia de lhe dar uma educação de fidalgo, prepará-lo para fazer um brilharete em Lisboa.
Nesse momento, o abade, suspeitando uma corrente de ar, erguera-se da mesa de jogo a fechar o reposteiro: então, como Afonso já não podia ouvir, D. Ana ergueu a voz:
- E olhe que o Custódio teve desgosto, Sr. Vilaça. Que o Carlinhos, coitadinho, nem uma palavra sabe de doutrina... Sempre lhe quero contar o que sucedeu com a Macedo.
Vilaça já sabia.
- Ah já sabe? Lembras-te viscondessa? Com a Macedo, do acto de contrição...
A viscondessa suspirou, erguendo um olhar surdo ao céu através do tecto.
- Horroroso! continuou D. Ana. A pobre mulher chegou lá a nossa casa escandalizada... E eu fez-me impressão. Até sonhei com aquilo três noites a fio...
Calou-se um momento. Vilaça, embaraçado, acanhado, fazia girar a chávena de café nos dedos, com os olhos postos no tapete. Outra languidez de sonolência passou na sala; D. Eugénia, com as pálpebras pesadas, fazia de vez em quando uma malha mole no crochet; e a noiva de Carlos, atirada para o canto do sofá, já dormia, com a boquinha aberta, os seus lindos cabelos negros caindo-lhe pelo pescoço.
D. Ana, depois de bocejar de leve, retomou a sua ideia:
- Sem contar que o pequeno está muito atrasado. A não ser um bocado de inglês, não sabe nada... Nem tem predicado nenhum!
- Mas é muito esperto, minha rica senhora! acudiu Vilaça.
- É possível, respondeu secamente a inteligente Silveira.
E, voltando-se para Eusebiosinho, que se conservava ao lado dela, quieto como se fosse de pedra:
- Oh filho, diz tu aqui ao Sr. Vilaça aqueles lindos versos que sabes... Não sejas atado, anda!... Vá, Eusébio, filho, sê bonito...
Mas o menino, molengão e triste, não se descolava das saias da titi: teve ela de o pôr de pé, ampará-lo, para que o tenro prodígio não caísse sobre as perninhas flácidas; e a mamã prometeu-lhe que, se dissesse os versinhos, dormia essa noite com ela...
Isto decidiu-o: abriu a boca, e como duma torneira lassa veio de lá escorrendo, num fio de voz, um recitativo lento e arrastado:
É noite, o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu...
Disse-a toda - sem se mexer, com as mãozinhas pendentes, os olhos vivaços pregados na titi. A mamã fazia o compasso com a agulha do crochet; e a viscondessa, pouco a pouco, com um sorriso de quebranto, banhada no langor da melodia, ia cerrando as pálpebras.
- Muito bem, muito bem! exclamou o Vilaça, impressionado, quando o Eusebiosinho acabou coberto de suor. Que memória! Que memória! É um prodígio!...

Eça de Queirós, Os Maias

TEXTO 2

[...]
A duquesa de Gouvarinho ainda não viera. E não estava também aquela que os olhos de Carlos procuravam, desesperadamente e sem esperança.
- É um canteirinho de orquídeas meladas – disse o Taveira, repetindo um dito do Ega.
Carlos, entretanto, fora falar à sua amiga D. Maria de Noronha que, havia momentos o chamava com o olhar, com o leque, com o seu sorriso de boa mamã. Era a única senhora que ousara descer do retiro em forma de janela da tribuna, e vir sentar-se em baixo, entre os homens: mas como ela disse, não aturava a seca de estar lá em cima perfilada, à espera da procissão do Senhor dos Passos.
(...) Apenas Carlos se sentou ao pé dela, D. Maria perguntou-lhe logo por esse aventureiro do Ega. Esse aventureiro, disse Carlos, estava em Celorico compondo uma comédia para se vingar de Lisboa, chamada o Lamaçal...
- Entra o Cohen? perguntou ela, rindo.
- Entramos todos, Sr.ª D. Maria. Todos nós somos lodaçal...
Nesse momento, por trás do recinto, rompia, com um taran-tan-tan molengão de tambores e pratos, o hino da Carta, a que se misturou uma voz de oficial e o bater de coronhas. E, entre dourados de dragonas, o príncipe apareceu na tribuna, sorrindo, de quinzena de veludo, e chapéu branco. Aqui e além, raros sujeitos cumprimentaram, muito de leve: a senhora espanhola, essa, tomou os óculos do regaço de D. Maria, e de pé, muito descansadamente, pôs-se a examinar o rei. D. Maria achava ridícula a música, dando às corridas um ar de festival... Além disso, que tolice, o hino, como num dia de parada!
(...) No entanto uma sineta tocava, perdida no ar. E no quadro indicador subiram os números dos dois cavalos que corriam o primeiro prémio dos “Produtos”. Eram o n.º1 e o n.º 4. D. Maria Teles quis-lhe saber os nomes, com o apetite de apostar e ganhar cinco tostões a Carlos. E como Carlos se erguia para arranjar um programa:
- Deixe estar o menino, disse ela, tocando-lhe no braço. Aí vem o nosso Alencar, com o programa... Olhe para aquilo! Veja se ainda hoje os há por aí com aquele ar de sentimento e de poesia...
Com um fato novo de cheviote claro que o remoçava, de luvas gris-perle, o seu bilhete de pesagem na botoeira, o poeta vinha-se abanando com o programa, e já de longe sorrindo à sua boa amiga D. Maria. Quando chegou junto dela, descoberto, bem penteado nesse dia, com um lustre de óleo na carapinha, levou-lhe a mão aos lábios, fidalgamente.
D. Maria fora uma das suas lindas contemporâneas. Tinham dançado muita ardente valsa nos salões de Arroios. Ela tratava-o por tu. Ele dizia sempre boa amiga, e querida Maria.

(...) Eram quase três horas, e agora, de certo, ela já não vinha: e a condessa de Gouvarinho não aparecia também... Começava a invadi-lo uma grande lassitude. Respondendo, com um leve movimento de cabeça, ao sorriso doce que lhe dava da tribuna a Joaninha Vilar, pensava em voltar para o Ramalhete, acabar tranquilamente a tarde dentro do seu roupão, com um livro, longe de todo aquele tédio.
No entanto, ainda entravam senhoras. A menina Sá Videira, filha do rico negociante de sapatos de ourelo, passou pelo braço do irmão, abonecada, com o arzinho petulante e enjoado de tudo, falando alto inglês. Depois foi a ministra da Baviera, a baronesa de Craben, enorme, empavoada, com uma face maciça de matriarca romana, a pele cheia de manchas cor de tomate, a estalar dentro dum vestido de gorgorão azul com riscas brancas: e atrás o barão, pequenino, amável, aos saltinhos, com um grande chapéu de palha.
D. Maria da Cunha erguera-se para lhes falar: e durante um momento ouviu-se, como um glou-glou grosso de peru, a voz da baronesa achando que c'était charmant, c'était très beau. O barão, aos pulinhos, aos risinhos, trouvait ça ravissant. E o Alencar, diante daqueles estrangeiros que o não tinham saudado, apurava a sua atitude de grande homem nacional, retorcendo a ponta dos bigodes, alçando mais a fronte nua.
Quando eles seguiram para a tribuna, e a boa D. Maria se tornou a sentar, o poeta, indignado, declarou que detestava alemães! O ar de sobranceria com que aquela ministra, com feitio de barrica, deixando sair o sebo por todas as costuras do vestido, o olhara, a ele! Ora, a indolente baleia!

12º ano

Gato que brincas na rua – Este é o 1º verso de um conhecido poema de Fernando Pessoa.
O problema é que, desta vez, os gatos estão a brincar não na rua, mas com os seus poemas. E a forma como estes felinos o fazem, desvirtuando o texto inicial, está a colocar o poeta fora de si:
"Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu."
O teu conhecimento da poética de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos vai, certamente, facilitar-te a tarefa de sossegar o poeta, repondo a verdade dos poemas. Para isso, basta-te descobrir os “gatos” que tanto o atormentam.

TEXTO 1

LIBERDADE

Ai que prazer
não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar não é nada.
O sol brilha sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
sem edição especial.
E a brisa, essa,
de tão naturalmente divinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis manchados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa alguma.

Quanto é pior quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a verdade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de brilhar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse discoteca...

Fernando Pessoa

TEXTO 2

O meu olhar é nítido como um guarda-sol.
Tenho o costume de andar pelas auto-estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo inicial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a terna novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o desejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não entender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente da cabeça)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho psicologia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca quer o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna paciência,
E a única inocência é não pensar...

Alberto Caeiro
TEXTO 3

LISBON REVISITED
Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com soluções!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em ética!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas complexos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a parecê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me cansado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, dizia-lhes, a todos, a verdade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que temos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero estar sozinho.
Já disse que estou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo celestial e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de ontem de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


Álvaro de Campos