“A sombra do que fomos” é um romance que se lê com um sorriso nos lábios e uma lágrima ao canto do olho.
Os heróis deste romance, ou melhor, os anti-heróis deste romance são quatro homens de sessenta anos e, como o próprio título deixa entrever pelo uso da primeira pessoa, há algo de autobiográfico nesta narrativa.
(Para o Mais)
Na verdade, Cacho Salinas, Lolo Garmendia, Lucho Arencibia e Pedro Nolasco são antigos revolucionários, militantes de esquerda no Chile que o golpe de estado de Pinochet atirou para o exílio tal com aconteceu a Luís de Sepúlveda. Membro da Unidade Popular Chilena, nos anos setenta, também Sepúlveda teve de abandonar o Chile após o golpe de direita que mergulhou o país numa ditadura sangrenta, vivendo actualmente em Gijón, Espanha, depois de ter deambulado pela Europa, nomeadamente Paris e Hamburgo. O romance aborda justamente a temática do regresso. Mas o regresso é impossível porque impossível é regressar ao passado: do exílio não se regressa…qualquer intenção de o fazer é um engano, uma tentativa absurda de habitar um país guardado na memória. E tudo é belo no país da memória, não há percalços no país da memória, não há tremores e até a chuva é grata no país da memória. O país de Peter Pan é o país da memória.
Assim o encontro que os quatro homens tinham marcado, numa Santiago chuvosa, para realizar uma última e definitiva acção revolucionária em plena primeira década do século XXI, é cómica e absurdamente abortado quando, no calor de uma disputa conjugal, um gira-discos insolitamente voa de uma janela e vitima Pedro Nolasco, o cérebro da operação.
A narrativa flui, leve, num registo discursivo apesar de tudo sem amargura e onde, pelo contrário, o humor é uma constante. Os três revolucionários, agora órfãos de revolução, entreolham-se um pouco confusos, hesitantes em redescobrir naqueles rostos envelhecidos, os temerários esquerdistas de outrora, intimamente temendo o ridículo de procurar refazer uma luta a que se recusam a reconhecer o esvaziamento produzido pelo passar do tempo e consumado ao ritmo das experiências no mundo capitalista, experiências lamentavelmente agradáveis. A mulher de um deles suspira continua e indecorosamente por Berlim…
A tudo isto se junta um sábio inspector que investiga o misterioso assassínio e as indispensáveis transcrições de mails que qualquer romance de hoje em dia não dispensa.
“A sombra do que fomos”, último romance de Luís de Sepúlveda (2009), recebeu o prémio Primavera do Romance, um prémio atribuído desde 1997 pela editora madrilena Espasa Calpe, com o objectivo de apoiar a criação literária e contribuir para a difusão do romance em língua castelhana no mundo hispano-americano. A dotação do prémio é generosa: 200 000€ e publicação. É entregue durante o mês de Março do ano seguinte à sua atribuição. Na Primavera.
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