27.3.10

Da Terra e do Mar (cont.)


Da Terra e do Mar
Anos 20 - 60
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Para isso mostram-se alguns livros escolares; catálogos publicados pela Escola nesse período; parte da Colecção Educativa; exemplares das Biblioteca dos Pequeninos, das Raparigas, dos Rapazes; Exemplares de Boletins da Mocidade Portuguesa Feminina e da Masculina. A par da exposição bibliográfica, são exibidos trabalhos realizados pelos alunos nesse mesmo período. Destaque ainda para duas esculturas da autoria do professor Sérgio Coutinho, que têm como ponto de partida trabalhos de alunos dos anos 50/60 na procura de um diálogo presente/passado.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926 irá abrir as portas à construção do Estado Novo. Em 1928 António de Oliveira Salazar torna-se ministro das finanças da Ditadura Militar e em 1932 primeiro-ministro. Em 1933 é aprovada uma nova Constituição e criado o Estado Novo, regime político autoritário e corporativista, que vigorou até 25 de Abril de 1974.
Na Escola Industrial Faria Guimarães toma posse como Director em 1922, o arquitecto Emmanuel Ribeiro. Em 1932 Emmanuel Ribeiro é substituído na direcção da Escola pelo escultor Sousa Caldas que exercerá o cargo até 1964.


Estado Novo – valores

• O Estado Novo irá procurar moldar a sociedade civil com novos valores, educando-a e formando-a num moral nacionalista, cooperativa e cristã, empreendendo um trabalho sistemático de imposição autoritária desses valores a todos os principais sectores da vida social, através de medidas institucionais consagradoras de uma pretendida unicidade político-ideológica. A saber,
• -orientação ideológica do ensino, sobretudo a nível primário e secundário, com o estabelecimento, principalmente após as reformas de Carneiro Pacheco na “educação nacional”, em 1936, de programas de ensino rigidamente politizados, com saneamento político dos corpos docentes e adopção de “livros únicos” oficiais - a partir da revisão constitucional de 1935 e o ensino público passa a estar constitucionalmente vinculado aos “princípios da doutrina e moral cristãs”;
• -enquadramento político-ideológico da juventude das escolas numa organização miliciana – a Mocidade Portuguesa criada pela reforma de 1936 de inscrição obrigatória e potencialmente monopolizadora de todas as actividades circum-escolares;
-a adopção de uma “política do espírito”, isto é, de uma orientação oficial para a cultura e as artes, explicitamente destinada a “educar o gosto dos portugueses” no culto de valores estéticos e ideológicos modelares, apresentados e divulgados pela propaganda do estado a cargo do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) criado logo em 1933.

O Ensino do Desenho

Em 1930, nas escolas industriais continuavam-se a utilizar como metodologias para o ensino do desenho a cópia de estampas; a representação do claro-escuro; a cópia directa da natureza através de modelos do reino animal e vegetal e estudos de composição decorativa a partir dos mesmos modelos.

Esta situação fez levantar algumas vozes que entendiam, apesar da dificuldade da tarefa, ser necessária a substituição destes por novos métodos de ensino, já adoptados em países mais avançados. Um dos protagonistas desse novo pensamento foi José Pereira, professor das escolas industriais e da Escola Normal Primária de Lisboa.

Assim, ele entendia que o desenho na escola primária deve tender “ (...) a fazer conhecer a vida em todos os seus fenómenos e a representá-la, educando, desenvolvendo o espírito de observação e análise e levando à construção e ao sentimento estético” (José Pereira, O Desenho Infantil e o Ensino do Desenho na Escola Primária, Lisboa, Imprensa Nacional, 1935).

Este trabalho veio preencher uma lacuna que se encontrava em aberto, fazendo-o em completa oposição com os hábitos tradicionais em matéria pedagógica.

Em 1939, Adolfo Faria de Castro, publica um livro intitulado Desenho à Mão Livre – noções práticas, para se usado nos liceus, colégios, escolas técnicas profissionais e escolas do magistério primário. Neste livro reconhece a importância do desenho à mão livre como um instrumento de progresso e parafraseando o Congresso Internacional de Desenho de Bruxelas, realizado em 1935, afirma que “(...) não há cultura moderna completa sem desenho”. Procura aplicar neste livro as mais modernas metodologias do desenho que teve oportunidade de conhecer em França e Bélgica. Para ele “(...) o desenho do natural tem um valor próprio porque forma a visão, coordena as sensações visuais e impõe a análise dos objectos que servem de modelo. Constitui a iniciação da arte de ver, parte importante da arte de viver (...). É preciso educar a visão. A compreensão dos objectos ajuda a vê-los. Além disso um aluno não pode compor sem saber desenhar”.
O movimento de renovação da educação artística na escola tardou em afirmar-se em Portugal.
Porém, nos anos 40, procurou-se alcançar uma solução de carácter unitário para o problema de ensinar o desenho e a arte. Calvet de Magalhães, professor metedólogo do ensino do desenho, afirmava em 1951 que “(...) até 1910 faziam-se reproduzir aos alunos apenas desenhos geométricos, sem se ocupar da natureza. Durante 30 anos seguidos caiu-se no excesso contrário e praticou-se unicamente o desenho do natural, como se a geometria não existisse. Nenhuma prática geométrica, afirmavam os teóricos deste método, se deve interpor entre a natureza e a vista da criança. Hoje reconhece-se que a verdade está entre os dois extremos, pois o desenho do natural deve ser auxiliado pela geometria.”

Os Modelos – As Concepções Estéticas

No ano lectivo 1922/23, o arquitecto Emmanuel Ribeiro inicia funções como professor e director da Escola Faria Guimarães. Emmanuel Ribeiro tinha uma visão moderna do ensino das artes industriais, que lhe vinha naturalmente do trabalho que tinha desenvolvido durante vários anos na Escola Normal para o ensino do Desenho em Lisboa e no Porto, muito diferente daquela que encontrou quando chegou à direcção da Escola.

A vontade de renovar a escola e o próprio ensino, levaram Emmanuel Ribeiro a fazer várias deslocações ao estrangeiro para tomar contacto com o ensino do desenho e das artes aplicadas noutros países.
Emmanuel Ribeiro afirmava a necessidade imperiosa das artes decorativas evoluírem segundo a “orbita das modernas aspirações estéticas”, considerando que “quem se adapta ao espírito do seu tempo evolui”. Por isso sugeria uma nova forma de abordagem nas artes decorativas, numa tentativa de conciliação entre as ideias de William Morris e a apologia dos processos mecânicos.

Com o Estado Novo foi criada por Lei de Abril de 1935, a Mocidade Portuguesa. A Mocidade Portuguesa Masculina tomava como guias da sua acção os exemplos de Nu'Álvares Pereira e do Infante D. Henrique e consagra-se “à nova Renascença Pátria”.

Em 1937 é publicado o Regulamento da Mocidade Portuguesa Feminina, que passa a ter como guias ideais as Rainhas D. Filipa de Lencastre e D. Leonor.

A organização nacional da Mocidade Portuguesa Feminina estava a cargo da Obra das Mães pela Educação Nacional, organismo patrocinado pelo Ministério da Educação Nacional.
A Mocidade Portuguesa promovia anualmente os Salões de Educação Estética, em que participavam as escolas com trabalhos de alunos e onde eram atribuídos prémios aos melhores trabalhos.

A marca do Estado Novo é notória nos trabalhos executados pelos alunos, nomeadamente naqueles que eram exibidos ao público ou nas exposições anuais ou, principalmente, nos Salões de Estética promovidos pela Mocidade Portuguesa.

A ideologia vigente impunha um formulário muito próprio e em todas as ocasiões festivas, uma vez que a Mocidade Portuguesa Masculina e Feminina e a Legião Portuguesa envolviam totalmente o país nas suas actividades, ele tinha necessariamente de se manifestar.

Para além dos órgãos dirigentes e das organizações que citámos, vários eram aqueles que advogavam um formulário artístico adequado ao novo pensamento político.
Exemplo disso foi Portela Júnior que num relatório apresentado à Junta de Educação Nacional em 1933 afirmava que “ (...) a época da arte pela arte já passou. Impõe-se a formação de uma nova mentalidade artística, conjugada neste sentido sob a influência da acção disciplinadora do Estado. O artista tem necessariamente de ser o reflexo do seu povo, contando com beleza, a beleza do seu espírito heróico, (...) dando-nos sempre com virilidade os sentimentos grandiosos da sua Raça. (...) Que a nova mística nacionalista se estenda à pintura, à escultura, à arquitectura e para tanto cultivemos de preferência motivos nacionais procurando criar portuguesmente e contribuindo quanto possível para que a Arte seja a expressão grandiosa da Nação.”
Em 1933, por iniciativa de António Ferro, é criado o Secretariado da Propaganda Nacional.
António Ferro tinha-se proposto “ (...) contribuir para a criação duma consciência cívica e política no povo português e dar à vida nacional uma fachada impecável de bom gosto”.
Mais tarde, na inauguração da primeira exposição de Artes Decorativas promovida pelo SPN, António Ferro afirmava ter sido objectivo do Salão “ (...) estimular o gosto pela criação contemporânea, combater a doença da série, a preguiça da cópia, sacudir a imaginação dos nossos produtores que não têm fé neles próprios e não acreditam também nos artistas portugueses.”
Mas este esforço de António Ferro viria a esbarrar com o conservadorismo instalado.

Apesar da situação política e a partir dos anos 50, muito sob influência dos estudos e livros publicados por Calvet de Magalhães e utilizados no ensino do desenho, bem como pelo empenho dos professores, regista-se uma ligeira inflexão nos conceitos artísticos e estéticos difundidos nas escolas.

A par dos valores nacionalistas (Deus, Pátria e Família), que se conservam, passa a ser dada uma maior atenção ao desenvolvimento da criatividade e uma maior ênfase à aproximação à natureza, no seu conjunto, com o apoio da geometria.

A Escola começa a abrir-se um pouco, de novo, como nos anos 20, para o que de moderno se ia fazendo, no estrangeiro e em Portugal no domínio artístico.


Natália Lobo

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