16.12.09

25 de Abril








A Soares dos Reis na festa de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

(Sophia de Mello Breyner A.)

Com alguma frequência, somos convocados para comemorar mais uma efeméride, uma data significativa, um certo dia iniciático, uma época. E por lá ficamos a bocejar, na cerimónia enfadonha, a “des-ouvir” discursos, a procurar encantar ou desencantar moscas e demais insectos que o ar contenha…E a palavra redonda e banal, de simbolismo universal, é “uma seca”!

Ora não foi isso que se passou com a cerimónia comemorativa do 25 de Abril que a nova Soares dos Reis celebrou no passado dia 23. Porque a moldura humana nos aconchegou a alma. Principalmente a dos mais velhos que guardam no seu coração essa hora fundamental das suas vidas, quando a madrugada de Liberdade deixou de ser apenas metáfora poética e ousou confundir-se total e completamente com a nossa existência pessoal e colectiva; quando o povo saiu à rua porque já não podia mais continuar escondido em casa; quando finalmente o sonho tão longo se tornou realidade e nós testemunhámos que “ser livre” passou a ser a verdade completa de um desejo.

Mas a moldura humana que viveu a força poética das canções de Zeca Afonso, que as trauteou, que cantou em coro, que exibiu dotes vocais e instrumentais, era, acima de tudo, a dos “filhos da madrugada”, dos nossos jovens alunos. O tal “divino tesouro”, como lhes chamou o poeta nicaraguano Rúben Dario. Que estiveram em peso e participaram, intervieram, fizeram do acto uma festa sua, como se eles mesmos, saíssem à rua e celebrassem o grande Momento inaugural, como intérpretes e não já espectadores. Tal como Nietzsche afirmava, o “coro trágico” grego estava “dentro” do palco não era “público”, entidade exterior coisificada.

E isto moveu o meu espírito para a reflexão pedagógica necessária: que temos feito, nós, professores, adultos responsáveis pela transmissão da herança dos valores daquela geração que nos antecedeu e acompanhou, que lutou, que sofreu, que enfrentou os perigos e os esbirros de uma ditadura inominável e quase-“eterna”? Suspeito que temos feito pouco, que nos instalamos demasiado depressa nos nossos afazeres, deixamos passar, de forma desapercebida, os avisos que nos são enviados acerca do facto de que a Liberdade não é senão uma conquista diária, que é urgente defendê-la com actos, com gestos e com atitudes. Pois exige determinação, exemplo, trabalho, exigência, honestidade e muita, muita fraternidade!

Não posso, contudo, deixar de assinalar a presença tão significativa de professores, de funcionários e de pais, para além, claro, dos maioritários alunos. E ainda dos “ilustres convidados”: amigos de amigos que acederam, com uma viola, com uma guitarra, com uma voz, trazer “outro amigo também”! Aposto que todos acabámos por sentir, num ou noutro momento mais cúmplice, um olhar feito gaivota, um sorriso brilhante de estrela, um suspiro aberto ao mar, um peito rasgado ao céu. Para agitarmos juntos a bandeira do Poema – aquela nossa feição própria de crescermos pela Vida acima como quem sobe a rua alegre que nos leva a casa!

Parafraseando a cantiga do Chico Buarque, “foi bonito estar na Festa, pá!” José Melo.

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