TEXTO 1
Descalça vai para a ponte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O texto nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainha de chamalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve dura.
Vai fermosa e nada segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro o trançado
Faixa de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo encanta
Corre nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.
Luís de Camões, Lírica
TEXTO 2
Tanto de meu fado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente canto e rio;
O mundo todo abarco e tudo aperto.
É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai que avista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando;
Num’hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos só posso achar um’hora.
Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; e nem suspeito
Que é porque vos vi, minha Senhora.
Luís de Camões, Lírica
TEXTO 3
Endechas a Bárbara escrava
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já só quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em ditosos molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa. .
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto regular,
Olhos sossegados,
Negros e cansados,
Mas não de matar.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo são
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda solidão
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Ausência serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me retém cativo;
E, pois nela vivo,
É força que viva
Luís de Camões, Lírica
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